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terça-feira, 8 de abril de 2014

Entrevista com o Poeta José Fernandes

A Associação Confraria das Letras recebeu uma visita especial - José Fernandes, poeta e crítico, professor da Universidade Federal de Goiás - GO


Foi nesta segunda-feira (07/04/2014) durante o Lançamento do livro "Saganossa", antologia de 22 escritores associados a Confraria das Letras. 

José Fernandes pertence ao restrito grupo de poetas que estuda poesia e, que dominam línguas como o latim e o grego, o que lhes permite chegar ao sentido mais profundo das palavras, do ser e, portanto, do poema. Poesia e ciberpoesia trata do desvelamento de poemas visuais, objeto sobre o qual o autor se debruça, há décadas.

Na passagem por Joinville o professor e poeta agraciou escritores com seu livro: Poesia e Ciberpoesia - Leitura de poemas de Antonio Miranda. Aproveitando a ilustre presença concedeu entrevista a David Gonçalves e Odenilde Nogueira Martins. Veja a conversa a seguir:

Como é o seu modo de produzir sua literatura? De quais livros seus você mais gosta?

JF - Quando faço crítica de ficção, observo como o narrador estruturou a narrativa, como trabalhou a linguagem, os símbolos, a fim de tornar o texto literário realmente belo, atraente para o leitor. Quando critico o texto poético, verifico todo o trabalho efetuado pelo poeta para instaurar o poético, que se esconde na forma do texto e, sobretudo, tratando-se de poesia moderna, em uma linguagem essencialmente imagética, responsável pela ambiguidade do discurso, porque não existe poesia, se a linguagem for denotativa.  Quando escrevo poesia, procuro, exatamente, seguir os passos que percorro na leitura dos poemas dos outros poetas em relação à linguagem. Por isso, uso muitas imagens, pois tento esconder, nelas, pessoas que ironizo ou satirizo, a fim de que o texto e a crítico se universalize.  

Em que situação se encontra a literatura brasileira?

JF - Para lhe dizer a verdade, a literatura me assusta, porque, no mesmo momento em que se prega a sua morte, em que se a julga morrente, surgem escritores novos, raros, mas que lhe imprimem um novo vigor, mediante a criação de obras realmente fabulosas. A poesia, por exemplo, viceja em Alto Araguaia, com um estudante de Letras, chamado Paulo David, que apresenta todas as qualidades do poético, e que transforma a linguagem em arte. Evidentemente que ele está muito bem assessorado por seus professores, mormente Isaac Ramos, também excelente poeta.  

Quem, no Brasil, está produzindo boa literatura?

JF - Há uma geração de escritores que se encontra entre os 70 e os 100 anos que continua produzindo excelente literatura, como Manoel de Barros, Gilberto Mendonça Teles e Antonio Miranda. Há uma outra, entre os 30 e 70, nas várias regiões do país, que nos deixa muito tranquilos com relação ao futuro da arte literária. Entre eles, destacam-se Isaac Ramos e Marta Cocco, em Mato Grosso; Rosidelma Fraga, no Acre; David Gonçalves, em Santa Cartarina; Sinésio di Oliveira, em Goiás; Rubenio Marcelo, no Mato Grosso do Sul; Carla Andrade, em Brasília; Jameson Buarque, no Pernambuco; Avelino de Araújo, no Rio Grande do Norte, para ficar fora do eixo Rio-São Paulo.

Quais sao os autores da literatura catarinense que você recomendaria?

JF - Por sua força literária, penso em David Gonçalves, Amilcar Neves e Alcides Buss, entre os mais novos; Guido Wilmar Sassi, Tito Carvalho, Flávio Cardoso, Holdemar Menezes, Silveira de Souza, Péricles Prade, Salim Miguel e o consagrado simbolista Cruz e Sousa.

Você é membro da Academia Goiana de Letras. Qual a importância das Academias? Elas estão cumprindo o seu papel?

JF - A função das Academias de Letras é cuidar e preservar a Língua Portuguesa, além de congregar, pelo menos em tese, os melhores nomes da literatura de determinado estado da federação. Mas, grosso modo, não cumpre a sua função, porque a maioria senta-se sobre o nome que conquistou e não produz mais nada. Em decorrência, não dispõe de poder para se impor política e literariamente no seu meio, ao ponto de algumas dessas academias não terem significado algum. A mais eficiente que conheço é a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, que, além de exercer um papel literário proeminente, ainda exercita uma função política no Estado de Mato Grosso do Sul, como poucas, muito poucas, o fazem.

O que significa a literatura para sua vida? É hobby? É compromisso?


JF - A literatura, para mim, significa tudo, porque, com ela, consegui um status econômico e social que jamais conseguiria sem ela. Por isso, faço literatura com o compromisso de bem exercer o papel de crítico literário, realmente procurando mostrar aquele lado invisível que marca as grandes obras ao leitor que, infelizmente, está cada vez mais desprovidos das qualidades de bons leitores. Como poeta, procuro, dentro de minhas limitações, porque não me julgo bom poeta - sou mais crítico que poeta - trabalhar o poema para que ele se aproxime do sublime, ou seja, do superlativo do belo. Assim vista e sentida, a literatura constitui a razão primeira de minha vida como homem, à medida que ela me permitiu conquistar o humano, naquele sentido de essência, de substância do ser.

Da esquerda para direita Odenilde Nogueira Martins, David Gonçalves e José Fernandes

Assista um vídeo com José Fernandes:


Fontes:
Entrevista concedida para David Gonçalves e Odenilde Nogueira Martins

http://books.google.com.br/books/about/Poesia_e_ciberpoesia.html?id=1dC2lgEACAAJ&redir_esc=y

Fotos: Bernadéte Costa



domingo, 9 de março de 2014

Sobre Escritores

... e suas escritas...

Abaixo compartilho depoimento que Juliano Garcia Pessanha deu para a Revista E - uma publicação do SESC São Paulo. 
Para conhecer a publicação com seu conteúdo na íntegra acesse: http://www.sescsp.org.br/

Fulguração da palavra

Revista E
O ensaísta e escritor é elogiado pela sua escrita instigante e sem limites de gêneros, mas diz não acreditar cegamente na divisão estabelecida por tais categorias literárias

Juliano Garcia Pessanha estudou Direito e Filosofia, e é mestre em Psicologia. O autor já dirigiu oficinas de escrita em hospitais psiquiátricos, trabalhando voluntariamente durante cinco anos em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). O seu interesse principal era encontrar filiações, famílias literárias e autores que conversassem com as questões pessoais dos participantes.



Contudo, mesmo com todo o respaldo acadêmico, o escritor menciona que em seu livro, Certeza do Agora (Ateliê Editorial, 2002), sua intenção não era abordar as relações entre literatura e filosofia, mas corporificar um autorreconhecimento. “Quando me utilizo de filósofos me interessa mais a experiência subjacente àquele pensamento do que a sua armação conceitual”, enfatiza.
Acompanhe o depoimento de Juliano à Revista E.
Transitando entre os gêneros

Meus três primeiros livros nasceram de diários, nos quais estava tudo misturado. Eu escrevia os diários desde 1983 e, em 1996, uma amiga, olhando-os, me disse: “Veja, essa passagem é um poema em prosa, vamos mandar para um concurso nesse gênero. Essa história interrompida, se você colocar um fim, vira um conto; vamos mandar para um concurso de contos”. E foi assim que ganhei o concurso Nascente [em 1999, promovido pela Universidade de São Paulo e pela Editora Abril], nas categorias poesia e conto sem nunca ter me proposto a ser poeta ou contista. Essa história mostra por que não creio tanto nessas categorias.

Nesses diários, eu relatava experiências na mesma medida em que refletia sobre elas a partir de um repertório filosófico. Em geral, ruminava a experiência de existir numa identidade negativa ou num self negativo, como digo hoje. A perplexidade e a dor de existir dessa maneira levaram-me a um diálogo com outros testemunhos dessa mesma posição. Muitos desses autores eram filósofos e pensadores como Martin Heidegger (1889-1976), Maurice Blanchot (1907-2003), Emil Cioran (1911-1995), ou Georges Bataille (1897-1962), por exemplo. Nesse sentido meus livros já são uma crítica deles mesmos, pois eu próprio explicitava o sentido dos relatos. Nas palavras do escritor Evandro Affonso Ferreira, eu era simultaneamente passarinho e ornitólogo.

Em Certeza do Agora (Ateliê Editorial, 2002), não diria que abordo as relações entre criação literária e filosofia, pois sempre utilizei o que estava à mão indistintamente. O que eu queria era corporificar um autorreconhecimento. Não estou preocupado com as discussões de Paul Ricoeur (1913- 2005) e Heidegger sobre as fronteiras entre essas áreas. Eu agi mais como um saqueador antropofágico e não como erudito acadêmico.

Jamais me preocupei com o leitor. Escrevi o que era necessário escrever. Acho indiferente que o leitor tenha ou não feito leituras acadêmicas antes de conhecer minha obra, pois quando me utilizo de filósofos me interessa mais a experiência subjacente àquele pensamento do que a sua armação conceitual. Dialogo com os filósofos mais pelo amigamento da posição do que pelo domínio acadêmico da arquitetura exterior do pensamento.
A crise do experimentar

A palavra como ornamento ou pura técnica já nasce esvanecida, mas acredito na palavra que nasce banhada no experimentado. Escrevi a partir da crise total da experiência e exatamente na busca de um dizer do que restava diante de tudo o que já estava dito. Minha escrita é testemunha do parto de um corpo antes silenciado. Relato de uma vinda. Quando a palavra atinge seu ponto de fulguração ela não concorre com nada.

Não acredito que as oficinas literárias oferecidas hoje em dia formem um escritor. O surgimento de um escritor é misterioso, mas, de alguma maneira, elas podem estimular uma vocação e ser um espaço de troca de experiências de escrita.

Não acho que existam diferenças práticas ou emocionais em se dedicar a uma trilogia, como eu fiz em Sabedoria do Nunca (1999),Ignorância do Sempre (2000) e Certeza do Agora (2002 – todos pela Ateliê Editorial), em vez de a uma obra que se encerra em um único volume. E não tenho uma disciplina diária de escrita. Espero lentos períodos para saber se estou mesmo sendo escrito por alguma coisa. Só então posso escrever.

Há temáticas que sempre penso, mas ainda não desenvolvi em um livro. Um dia pretendo escrever sobre a questão do feminino e a morte de minha mãe.

“Não tenho uma disciplina diária de escrita. Espero lentos períodos para saber se estou mesmo sendo escrito por alguma coisa. Só então posso escrever”