Do que vivem os escritores?
Pesquisa informal mostra que uma
minoria se sustenta com a venda de livros, embora a maioria ganhe com
atividades ligadas à escrita.
SANTIAGO
NAZARIAN – Especial para o Jornal A FOLHA (14 de dezembro 2014)
Do que você vive? É a
pergunta que todo autor ouve com frequência. Eu mesmo, nos malabarismos das
contas do mês, sempre me pergunto como meus colegas conseguem se sustentar num
país em que se lê tão pouco.
Como padrão
internacional, para cada livro vendido o autor recebe em média 10% do preço de
capa. O restante é dividido entre editora (que arca com custos de edição,
publicação, promoção), distribuidora e livraria.
Considerando que a
tiragem média de edição de literatura contemporânea no Brasil é de 3.000 exemplares,
um autor com um livro a R$ 35 que, numa projeção otimista, consiga vender essa
quantidade em dois anos ganharia R$ 5.250 por ano, menos de R$ 500 por mês.
Apesar disso, a
multiplicação de eventos literários --a participação num debate paga em média
R$ 2.000-- e alternativas de escrita abertas pela internet, pela TV e pelo
cinema têm possibilitado a autores "estabelecidos" viver da escrita,
embora não da venda de livros.
"Nunca houve
tanto interesse em autores, mais do que em livros", diz Andrea del Fuego,
39, autora de "Os Malaquias", que em 2014 teve como principal fonte
de renda as oficinas literárias.
Numa pesquisa
informal com 50 autores de diversos perfis e estágios na carreira, obtive dados
sintomáticos das formas de sobrevivência de escritores no Brasil. Os autores
responderam a questões como "qual sua maior fonte de renda" e "o
quanto a venda de livros representa da sua renda" --muitos sob a condição
de que seus dados individuais não fossem divulgados.
Vendas
Só quatro dos 50 escritores, três deles no campo da literatura
juvenil/de entretenimento, apontaram a venda de livros como principal
componente de sua renda.
Tammy Luciano é uma autora desse perfil, que levanta a bandeira da
literatura comercial; seu romance "Claro que Te Amo!" vendeu 10 mil
cópias em 45 dias. "O jovem consome muito. O livro para esse público pode
ser vendido em larga escala", diz.
No geral, as principais fontes de renda decorrem de atividades
relacionadas à escrita, como dar aulas ou palestras, realizar oficinas literárias,
traduzir livros, trabalhar com jornalismo e criar roteiros de cinema e
televisão.
O gaúcho Paulo Scott, 48, lança em abril, pela Foz, seu próximo romance,
"O Ano que Vivi de Literatura", no qual aborda essa realidade.
"É uma abordagem ficcional que acabou envolvendo o quadro escrever
um livro' que, caso repercuta, levará o autor a ser convidado a eventos
literários, indicado a premiações, adaptado para o cinema e o teatro",
discorre.
Apenas 11 dos 50 entrevistados disseram ter profissão sem relação com
atividade artística e, desses, dez apontaram essa outra ocupação como principal
fonte de renda.
"Não ter de cumprir expediente faz diferença para quem precisa de
tempo, ou ao menos administrar o tempo com mais liberdade," diz Michel
Laub, 41, que teve como maior fonte de renda em 2014 as vendas de direitos de
seus livros para o exterior.
Outros Tempos
O escritor que cumpre expediente como funcionário público --ocupação, em
outros tempos, de nomes como Machado de Assis e Lima Barreto-- já não parece
comum.
Apenas três dos consultados fazem ou fizeram parte desse grupo. É o caso
de Marcos Peres, 30, autor de "O Evangelho Segundo Hitler" e técnico
judiciário do Tribunal de Justiça do Paraná. "É burocrático, nada
glamoroso, mas necessário", diz.
Dos autores pesquisados, a maioria considera a situação do autor
brasileiro hoje melhor que há 20 anos.
The hard lesson - William Adolphe Bouguereau |
"Naquele tempo não havia escritor profissional' (com as exceções de
sempre), coisa comum hoje em dia. Muita gente vive da escrita hoje. O escritor
não precisa mais se submeter a um emprego fora da sua área", diz Ivana
Arruda Leite, 63, que estreou na literatura em 1997 e se dividiu entre a
escrita e o funcionalismo público até 2013, quando se aposentou.
Alguns autores não souberam opinar. Só Ricardo Ramos Filho, 60, escritor
e cronista, neto de Graciliano Ramos, apontou a situação hoje como pior:
"Embora o governo compre mais hoje, no geral as edições diminuíram em
volume. Houve época em que era comum imprimir 5.000 livros numa primeira
edição. Proporcionalmente, estamos lendo menos."
Nesse cenário, discussões recentes como a envolvendo a lei do preço fixo
para livros (que impossibilitaria grandes redes de dar descontos nos
lançamentos, protegendo assim as pequenas livrarias) é uma questão mais para
editoras e livreiros do que para os autores; a maioria dos pesquisados afirmou
não ter ainda uma opinião formada.
"Ganhar dinheiro" com literatura não chega a ser ambição
confessa nem de metade dos entrevistados --20 deles marcaram a alternativa,
entre diversas opções listadas. Menos ainda "vender muito", com 15
respostas.
As opções mais citadas foram "fazer boa literatura",
"contar uma história" e "ser lido".
Bem ou mal, das mais diversas formas, os autores sobrevivem. A questão
parece ser como reproduzir leitores. Que as vendas mais expressivas se deem
principalmente para as novas gerações talvez seja motivo de esperança na
existência de um mercado para a literatura nacional.
SANTIAGO NAZARIAN é escritor, autor de "Biofobia" (Record), entre outros,
mas vive principalmente de tradução.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/201738-do-que-vivem-os-escritores.shtml